São Cura d'Ars e sua luta contra as danças
Francis Trochu
O modo como o P. Vianney fez desaparecer os bailes de sua paróquia
tornou-se célebre. Neste ponto venceu em toda linha, mas o combate foi renhido.
O baile estava tão arraigado nos costumes locais que foram precisos 25 anos
para o Santo o extinguir completamente. "Em alguns, como se diz, era uma
espécie de embriaguez ou loucura". Como pagãos que não tinham mais
consciência de sua miséria, os dançadores da aldeia proclamavam cinicamente que
os seus prazeres eram inocentes e, por conseguinte, permitidos. Tratava-se de
arrancar-lhes as vendas dos olhos.
Uma moça apaixonada pelo baile não poderá gostar dos gozos simples
e puros. Não tem mais espírito cristão. Sua fama, se a aprova, não pode
ser uma família onde as práticas religiosas são tidas na devida estima. Essa
jovem e os seus não terão, uma religião séria enquanto não abandonarem as suas
ideias e hábitos mundanos.
Quem quiser evitar o pecado deve fugir da ocasião... O Cura d' Ars
era homem de princípios e ia reto à meta desejada. O doce S. Francisco de
Sales, ao condenar os bailes por causa de seus perigos e perniciosas
consequências, adotara certas medidas de brandura. São João Maria Vianney, que
acabou por igualá-lo em suavidade, não as adotou porque achou inútil toda a
precaução. Foi inexorável. Ajuntou sob um mesmo anátema o pecado e a ocasião,
O caso é que ele via longe e atacava ao mesmo tempo a dança e a
paixão impura alimentada por ela. Daí os seus combates contra
os serões tais como se praticavam em Ars, e contra a liberdade que se permitiam
os jovens antes dos esponsais. Os habitantes de Ars, querendo passar as longas
noites de inverno com menos aborrecimento, reuniam-se, na falta de salões, nos
estábulos onde a temperatura era mais tépida. "E ali, à vista dos pais,
calados ou cúmplices, renovavam-se práticas que teriam causado horror ao
próprio paganismo". A ignorância e inconsciência desculpavam um
pouco aquela pobre gente. Seja como for, tão vergonhosos escândalos começaram a
ter fim quando o R. Vianney, do alto do púlpito, os verberou e declarou
infames.
Neste ponto a resistência tomou-se muito forte e o terreno só
palmo a palmo foi conquistado. Durante dez anos o Cura d' Ars
repetiu sem cessar as mesmas instruções.
- Não há um só mandamento na Lei de Deus, dizia ele, que o baile
não transgrida. As mães costumam dizer: "Ah!, eu cuido de minhas
filhas". Cuidais dos seus enfeites, porém não podeis velar por seus
corações. Ide, mães e pais réprobos, ide para o inferno, onde vos espera a
ira de Deus. Lá vos aguardam as boas obras que tendes feito, deixando à vontade
vossos filhos. Ide, eles não tardarão muito a se ajuntarem a vós, pois tão
bem lhes ensinastes o caminho... Então vereis se o vosso cura tinha ou não
razão de vos proibir esses prazeres infernais ...
Meu Deus; poderão ter olhos tão cegos a ponto de crerem que não há
mal na dança, quando ela é a corda com que o demônio arrasta mais almas
para o inferno?... O demônio rodeia um baile como um muro cerca um jardim... As
pessoas que entram num salão de baile deixam na porta o seu anjo da guarda e o
demônio o substitui, de sorte que há tantos demônios quanto são os dançadores.
Das palavras, porém, o Cura d' Ars passava a ação direta. Certo
dia ele mesmo foi ao encontro do músico. Quem acaba com o violão, disse
consigo mesmo, também acaba com o baile. O tocador já entrava no povoado com o
instrumento debaixo do braço. "Quanto lhe pagam para tocar?"
perguntou o P. Vianney. "Não sei, diz o Ir. Atanásio, que ouviu contar
este episódio, se o músico respondeu que lhe davam 5 ou 10 francos; o Cura
deu-lhe quantia duplicada. Ele retirou-se satisfeito e não houve baile".
O mesmo fez em dia de feira com o taberneiro Bachelard.
"Quanto calcula ganhar vendendo hoje?
- Tanto, Sr. Cura.
- Está bem, tome aqui a soma e não faça nada". O taberneiro
aceitou-a e voltou contente para casa.
Certo domingo, iam começar o baile na praça, ou para dizer melhor,
preparavam o espetáculo muito em voga naquela região do correr o
asno, porque uma mulher havia surrado o seu marido. De súbito o Sr.
Cura saiu da casa paroquial e apenas atravessou o espaço entre a canônica e a
igreja, todo o mundo debandou e a praça ficou vazia. "Escaparam como um
bando de pombos", contava rindo o P. Vianney. E assim acabou a festa.
Felizmente nem todas as moças de Ars viviam "loucas por
bailes". No povoadohavia algumas muito bem educadas e ajuizadas, que por
seu temperamento não foram atingidas pelo contágio. O P. Vianney esforçava-se
por preservar do mal essa porção escolhida de sua grei. Outras já dominadas
pelo prazer começavam a sentir certa vergonha. Devido às orações e
mortificações de um santo a graça trabalha ocultamente nos corações. Por outro
lado a vida do Sr. Cura era para todos a pregação por excelência. Na sua pessoa
resplandecia um que de evangélico.
- Nosso Cura, diziam nas conversas, faz tudo o que diz e pratica
tudo o que ensina. Jamais o vimos tomar parte em diversão alguma. O seu único
prazer é falar com Deus. Nisso deve ele encontrar algum gozo... Sigamos os seus
conselhos. Ele só deseja o nosso bem.
O P. Vianney, enquanto combatia as desordens, compreendeu que para
a regeneração das almas seria obra mais útil ainda a formação duma elite.
A recitação das vésperas, antes tão pouco frequentada, começou a se armar.
Certas senhoras e jovens dedicavam, todos os domingos, alguns minutos mais, às
suas devoções. Durante a semana, às 20 horas, começou-se a rezar as orações da
noite com as poucas, pessoas que naquela hora tardia visitavam o Santíssimo
Sacramento. Pouco a pouco o número foi crescendo e outras se ajuntaram a estas.
Certo domingo, depois das vésperas, um reduzido grupo de moças
ficou na igreja para se confessar. Sem dúvida eram almas boas, mas não se
conheciam mutuamente.O P. Vianney sentiu-se inspirado a lhes dirigir
algumas palavras para uni-las num comum sentimento de piedade. "Minhas
filhas, lhes disse, se quiserdes, podemos rezar juntos o rosário para que a
Santíssima Virgem vos alcance a graça de fazerdes bem o que ides fazer".
Entre aquelas jovens havia uma mais travessa do que leviana. "Sentiu-se
feliz por ver que todas sabiam responder ao terço. - Antes do
Cura d' Ars só se rezava publicamente o rosário no dia da Anunciação". - A
palavra do santo sacerdote calou profundamente naquela alma pura. "Creio,
assegurava ela, foi naquele dia que o Sr. Cura transformou o meu coração".
Fora uma das primeiras nos divertimentos chegou a ser um modelo de piedade. O
apóstolo tinha descoberto o bom fermento que haveria de levedar toda massa.
"Deu-se isto no mesmo ano de sua chegada, refere Catarina
Lassagne, uma das almas que ele mais se esmerou em aperfeiçoar. Num
domingo de feira, depois das vésperas, convidou as jovens penitentes para
comerem frutas no pomar. Ele mesmo nunca ia. Eu tive a ousadia de
acompanhá-las, apesar de ser ainda muito jovem - Catarina não passava dos 12. -
O Sr. Cura nos reuniu por alguns momentos. Lembro-me que nos perguntou:
"Não vos sentis mais felizes do que as que estão dançando na praça?"
Fez-nos entrar na cozinha da casa paroquial, onde nos leu a vida de minha santa
patrona, e depois nos falou das coisas de Deus. Aquelas jovens e muitas outras,
que lhes seguiram o exemplo, constituíram na aldeia o primeiro sodalício de
piedade sob o título de Confraria
do Santo Rosário. Com
as que permaneciam rebeldes aos seus conselhos o P. Vianney mostrou-se
excessivamente severo. Partindo do princípio de que não podiam ser absolvidos
os pecadores sem que renunciassem à ocasião do pecado quando esta existia, o
Cura d' Ars negava a absolvição, mesmo por uma única falta, até à conversão
total.
Para isso tinha suas razões. Deste modo, bom número de
paroquianos, apesar de não serem escandalosos, tiveram que esperar meses e até
anos, antes de serem admitidos aos sacramentos. Uma prova disso é o seguinte
diálogo:
- Passei 6 anos sem cumprir com o preceito pascal, dizia em março
de 1895 a Mons. Convert venerável anciã, cujo marido presente ia
confirmando a narração.
- Seis anos!
- Sim, dos 16 aos 22. Cada ano ia à casa dos meus parentes, por
ocasião da feira de Mizérieux e ali dançava um pouco. Durante todo o ano
só saía naquela ocasião. Em Ars já não se dançava havia muito tempo - era de
1835 a 1841.- Mas essa única saída, que se repetia todos os anos, era motivo
para que eu não recebesse a absolvição.
- E apesar disso ia confessar-se?
Sim, por ocasiões das grandes festas. O Sr. Cura apenas me dava a
bênção.
- E que lhe dizia ele - "Se não se corrigir de ir aos bailes,
está condenada!... Era lacónico.
- Dançava, porêm, noutras ocasiões!
- Nunca..
- Então por que ia confessar-se?
Pensava eu: "Se Deus me chamar antes de receber a absolvição,
espero que tomará em conta o meu desejo de a receber... Minha mãe
perguntou ao Sr. Cura se eu podia confessar-me noutra parte. -
"Como quiser, respondeu ele. Em todo o caso, acho melhor que não faça a
páscoa e que não vá confessar-se noutra parte".
A jovem Catariaa Treve contava que no mês de fevereiro dançou uma
vez num casamento. O Cura d' Ars adiou-lhe a absolvição até à festa de
Ascensão.
Quando era moça, a senhora Butillon teve que esperar quinze dias,
ou tres semanas para ser absolvida, só por ter ido à feira de MontmerIe. Não
linha dançado, porém "foi ao lugar onde se dançava".
Um pai de família, que ainda não conhecia bem o seu pastor,
expôs-lhe o seguinte caso de consciência: "Posso acompanhar minha filha ao
baile?"
- Não, meu amigo.
- Mas eu não a deixarei dançar.
E o Santo concluiu com esta reflexão, cheia de profundíssima
psicologia: "Oh. Se ela não dançar, dançará seu coração".
O Cura d' Ars nalguns pontos se mostrou menos rígido com os
forasteiros do que com os seus paroquianos; mas quanto aos bailes não
variou jamais. Algumas pessoas do mundo ao se ajoelharem a seus pés gostavam de
dizer-lhe que estavam seguras de si mesmas e imunes contra o pecado, mas o
pecado perfumado não achava graça diante de seus olhos.
"Jamais ele permitiu que tomassem parte nos bailes de sociedade e nem
sequer assistissem a eles como simples espectadores". Pouco tempo depois
de sua chegada à paróquia, os castelães de Ars organizaram um ou dois bailes
entre famílias, mas logo se abstiveram disso "em respeito à sua
proibição". "Ele só conhecia o baile, diz Cristina de Cibeins com
certa mágoa, através das desordens que produzia entre a gente do campo. Sei de
uma pessoa piedosa que, forçada por sua condição social a tomar parte em
algumas diversões mundanas, viu-se obrigada a deixar o confessionário do Cura
d' Ars para não ter mais que contrariar suas decisões".
Tais foram as normas do Cura d' Ars em matéria de danças e por
toda a sua vida. Teve sobretudo grande cuidado em esclarecer os pais sobre tão
grave assunto. Inculcou-lhes profundamente a convicção de que deviam a seus
filhos um amor terno mas firme, o bom exemplo, a vigilância e a correção.
Declarava-os além disso responsáveis pelas faltas dos filhos:
- "Vós respondereis por suas almas como pelas vossas
próprias. Assim lhes falava... Não sei se fazeis quanto está em vosso poder. O
que eu sei é que se vossos filhos se condenarem em vossas casas por falta de
vigilância - como é de crer - vós também sereis condenados. Sei muito bem que
não dareis um passo a mais para cumprirdes os deveres para com vossos filhos;
que vós não vos inquietais com isso, e por certo tendes razão, pois não faltará
tempo para serdes atormentados por toda a eternidade...
Estas picantes ironias eram sem dúvida a linguagem que convinha
àquela gente. Os pais tomaram ao pé da letra os conselhos do Sr. Cura. Certo
domingo depois das vésperas, duas jovens irmãs foram, sem licença do pai, -
acharam-no desnecessário - ver o baile numa festa de Savigneux - Savigneux
dista dois quilômetros de Ars. Não dançaram, pois tinham pressa de regressar.
Em casa, porém, a ausência delas não passou despercebida. O pai tomou o chicote
e castigou-as severamente.
Antônio, um dos filhos da família Cinier, de vinte anos de idade,
foi dançar num dos povoados vizinhos. Ao chegar em casa, já bastante
tarde, saudou por duas vezes a mãe sem ser correspondido. Já suficientemente
punido com aquela desusada frieza, meteu-se na cama. Mas isso não foi bastante
para a mãe irritada. Tomou uma chibata e lhe "acariciou" as costas.
Desde o ano de 1830 os bailes haviam desaparecido completamente do
centro de Ars. Uma ordem do Sr. Antônio Mandy não autorizava mais os bailes
públicos a não ser na alta sociedade da aldeia. Para os organizadores da festa
local foi grande humilhação. Aproximava-se justamente a festa de São Sisto. Alguns
jovens de Ars, que ainda não viam com bons olhos o pároco, recorreram resolutos
ao Sr. Mandy, pedindo autorização para celebrarem a festa no lugar de
costume. O velho senhor respondeu que, tendo dado sua palavra ao Sr. Cura, não
a podia retirar- O assunto porém não acabou nisso. Os jovens buscaram
recurso Junto ao subprefeito de Trevoux. Este revogou a ordem do burgomestre de
Ars o qual só teve que submeter-se à vontade do superior.
Chegou o dia da solenidade e por conseguinte da festa de S. Sisto.
Na tarde daquele domingo, aos acordes da música, apareceram os bailadores cantando e
saltando. Quantos chistes jocosos atirados contra o cura e o burgomestre! Mas
eis que cessam os estribilhos e os rostos tomam-se sombrios. Onde se tinham
escondido as moças? "Ali debaixo das nogueiras achavam-se apenas duas ou
três criadas vindas das granjas de Ars e algumas forasteiras". As jovens
da paróquia haviam entrado na igreja para as vésperas e a oração da
tarde. O baile foi triste e desanimado.
Ao toque para a oração da noite, a primeira
autoridade da aldeia, que se armara, temendo possíveis desordens, não teve
necessidade de intervir; dispersou-se o pequeno grupo de folgazões. A igreja
encheu-se de fiéis e oCura d'Ars pregou
como de costume a pequena homilia. Chorou. Choraram com ele. E muitos jovens
estouvados deram-se conta de sua estupidez ao verem como suas mães e irmãs
voltavam da igreja com os olhos vermelhos de pranto. Pediram para serem
inscritos nalguma das confrarias da paróquia e não pensaram mais em bailes.
Dali em diante nos domingos, à tarde, a praça da igreja só viu
fiéis que iam as vésperas na igreja ou ao cemitério, e depois dos ofícios,
alguns amadores de jogos inocentes. Os jovens, que ainda teimaram em
dançar, não encontraram mais com quem entre as suas conterrâneas - Quanto muito
conseguiram recrutar algumas pobres criadas.
"Ide procurar, exclamará mais tarde triunfante o Cura d' Ars,
ide procurar talou tal jovem nos bailes ou com outras más companhias. Que se
vos responderá? "Não a tenho visto desde algum tempo. Creio que
se a quiserdes encontrar, será necessário ir à igreja ou à casa de seus pais
... Se não a encontrardes em casa, ide à igreja e Iá a encontrareis
agradecendo a Deus por ter operado nela uma mudança tão radical. Vereis a
modéstia estampada em sua fronte...
Irritados ao verem como as moças deixavam os bailes pela igreja,
os libertinos de Ars e dos povoados vizinhos vingaram-se do P. Viannéy como
adiante veremos. Que fazer sem ter com quem dançar. Organizaram
reuniões secretas nos lugares mais afastados. Mas o Santo, chegando a saber,
trovejou tão forte da cátedra da verdade que desde 1832 não se dançou mais em
todo o território da paróquia.
Quem o creria? A vitória ainda não estava completa. Foram
combinados encontros nas feiras ou nos bailes dos povoados vizinhos, onde,
longe de qualquer vigilância, julgavam poder-se entregar impunemente à sua
diversão predileta. Vários jovens de Ars se deixavam arrastar. Sem muita
dificuldade, o P. Vianney chegou a descobri-Ios. Decidido a não largar o
machado antes de cortar a última raiz do mal, não lhes deu tréguas. "Deus
inspira aos santos procedimentos que saem muitas vezes do caminho
ordinário".
Já que era necessário gritar alto para se fazer compreender, o
Cura d' Ars tomou por princípio negar a absolvição a quem quer que fosse
que, tendo dançado uma única vez, não prometesse seriamente emendar-se. O triunfo
só foi completo e definitivo depois de uma grande missão pregada naquela
paróquia no ano de 1847.
Se alguns teimosos "vindos de fora" ameaçaram uma ou
duas vezes restabelecer os bailes de S. Sisto, não passou contudo de impotente
fanfarronice. O conde Cláudio de Garets, eleito prefeito em
1839, tomou à sua conta aquele negócio, fazendo desaparecer para sempre tais
maquinações.
Ainda mais tarde, por 1855, como os paroquianos de Ars se
permitissem frequentar mais do que o razoável as feiras dos arredores, um jovem
eclesiástico teve ocasião de observar "que força o P. Vianney sabia dar às
suas palavras quando os abusos começavam a reaparecer. Uma tarde, conta o P.
Peletier, ouvi-o falar com tal veemência contra a feira de Vílefranche, a qual
costumava atrair grande número de povo para as diversões profanas, que o
auditório ficou aterrado".
Enfim, uma última e severa advertência pareceu-lhe conveniente por
ocasião de certos divertimentos inofensivos, mas que o Santo julgava
indignos de seus bons paroquianos. No dia 9 de fevereiro de 1858 - 40 anos
depois e no mesmo dia da chegada do P. Vianney a.Ars - João Batista Mandy
desposou sua prima Daudina Treve. Algumas semanas antes, um grupo de
homens, e por certo nem todos jovens, esquecidos talvez das velhas rixas entre
seus pais, tentaram restabelecer o costume já abolido das gatinhadas. Foram
à casa dos Mandy e depois dos Treve, requisitaram alegremente o que havia
de melhor nos galinheirose, conforme o antigo uso local, fizeram, num sábado à
noite, grande festa em honra do futuro casal. O banquete prolongou-se até alta
noite... O P. Vianney, já ancião de 72 anos, esgotado pelas fadigas e pelos
jejuns, na manhã seguinte, ainda soube achar aqueles acentos dos tempos de luta
para dizer ao seu povo e aos culpados já arrependidos - toda a mágoa que lhe
haviam causado aquelas escandalosas leviandades. "Brevemente haverá um
outro casamento na paróquia, concluiu o pregador indignado; recomeçai e vereis
o que hei de fazer". Mas eles não recomeçaram.
As modas indecentes correm parelhas com os prazeres corruptores. A
julgar por alguns de seus sermões, quando o P. Vianney chegou a Ars, várias
pessoas faltavam às leis mais elementares da modéstia. O Santo indignou-se
contra elas e irritou-se contra os país que idolatravam suas filhas e as
expunham à conquista. Só vendo como ele os fustigava.
- Esta mãe não pensa em mais nada do que em sua filha e mais se
preocupa em reparar se ela está com o chapéu direito do que de perguntar-lhe se
está na amizade de Deus. Ela lhe diz que não há de parecer uma selvagem; que há
de procurar tomar-se agradável a todo o mundo para poder conquistar relações e
colocar-se na sociedade. E a filha logo procurará atrair os olhares do mundo.
Com seus atavios rebuscados e indecentes logo dará a entender que é um
instrumento de que se serve o inferno para perder as almas. Só no tribunal de
Deus saberá o número de pecados de que foi causa.
Geralmente as mães de família compreenderam bem depressa quais
eram seus deveres. Além disso, o P. Vianney as ajudou a cumpri-los, quer
negando a absolvição às pessoas escandalosas, quer convertendo-se ele mesmo em
árbitro da moda. Não deixava de ser coisa delicada, mas até nisso o nosso Santo
se propunha uma finalidade altíssima: aspirava para seus 'paroquianos um ideal
de perfeição do qual os cria capazes. Por isso entrou em pormenores que à
primeira vista poderiam parecer pueris.
"As senhoras e as moças usavam penteados muito
elegantes" -para realçar as suas cabeleiras. O P. Vianney obrigou-as
a deixá-los e substituí-los por toueas a fim de melhor ocultarem os
cabelos". Aconselhou a Marta Miard, a qual possuía um botequim junto à
igreja, que simplificasse o seu penteado, porque não o achava bastante simples.
"Tínhamos, simplesmente a aparência de velhas", dizia Daudina Treve,
que nunca foi uma vaidosa. "Certo dia, conta Marta Miard, ele encontrou-me
um pouco mais bem vestida do que de costume - tinha um vestido de musselina de
cor muito vistosa. Em lugar de me dizer como costumava: "Bom dia, minha
filha", fez-me uma vênia muito profunda e acrescentou: "Bom dia, senhorita. Fiquei
muito envergonhada".
A pequena Joana Lardet exibia vaidosamente um formoso colar novo.
"Queres vender-me o teu colarzinho? perguntou-lhe sorrindo o
P. Vianney. Dou-te cinco soldos.
- E... que fará o Sr. Cura com ele?
- Vou botá-lo no meu gato".
Na igreja jamais tolerou decotes, nem braços nus. Não os permitia
nem aos grandes nem aos humildes deste mundo. Por ocasião duma visita ao
castelo viu o retrato de uma senhora: em trajes de baile. "Dir-se-ia
que vai ser guilhotinada", observou ele mostrando com o dedo aquele quadro
de família. A castelã de Ars compreendeu a lição e retirou o quadro.
No fim da vida ainda troçava das crinolinas até mesmo durante os
seus catecismos. "O imperador fez coisas muito boas, porém
esqueceu-se de uma: mandar alargar as portas para poderem passar as
saias-balão". Apesar disso, as pessoas de Ars exibiam moda tão incomoda.
O P. Vianney não insistiu muito, pois apenas lhe pareciam
ridículas. E. por outro lado as poucas paroquianas que usavam tais
atavios, nos domingos e dias de festa, desapareciam na massa dos peregrinos que
em maior número e mais livremente se sacrificavam às exigências da moda da
época.
Os peregrinos de Ars por 30 anos puderam admirar na igreja, nas
ruas e nas estradas, as senhoras e as moças daquela aldeia, dignas e
modestas como monjas.
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